NOTA 66 - OS DADOS ESTÃO LANÇADOS - de Jean-Paul Sartre
NOTA 66 - OS DADOS ESTÃO LANÇADOS - de Jean-Paul Sartre
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Pedro volta-se e vê um grupo de pessoas vestidas segundo as mais
variadas épocas:mosqueteiros,românticos,contemporâneos,modernos e,
entre eles,um velho com um chapéu de três bicos,vestido à moda do séc.
XVIII,que o interroga amàvelmente:
-- É novo ?
-- Sou... e o senhor ?
O velho ri e,indicando o fato,diz:
-- Fui enforcado em 1778.
( Os Dados Estão Lançados,37)
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Numa das minhas viagens a Paris,creio que em Abril de 2006,quando lá fui correr a maratona,tive oportunidade
de visitar a campa de Jean-Paul Sartre e de Simone de Beauvoir,no cemitério de Montparnasse.O hotel onde fiquei estava
próximo e fui a pé até Montparnasse e,depois da visita,segui para Montmartre.Uma campa simples e modesta,mas bem
cuidada e com flores,que assinala com dignidade a passagem pela Terra destes dois grandes vultos da cultura europeia.
Jean-Paul Sartre nasceu em Paris a 21/6/1905 e faleceu também em Paris a 15/4/1980.Foi filósofo,escritor e crítico
francês,representante do existencialismo e defendeu que os intelectuais deviam desempenhar um papel activo na sociedade.
Apoiou causas políticas de esquerda com a sua vida e a sua obra e recusou distinções e funções oficiais--recusou-se a
receber o Prémio Nobel de Literatura,de 1964.Dizia que,no caso humano,a existência precede a essência,pois o homem
primeiro existe,depois se define,enquanto todas as outras coisas são o que são,sem se definir,e por isso sem ter uma
"essência" posterior á existência.Escreveu,entre outros,"A Náusea",romance,1938;"O Ser e o Nada",tratado filosófico,1943;
"As Mãos Sujas",teatro,1948;"Os Dados Estão Lançados",romance,1947; e "As Palavras",autobiografia,1964.(cfr.wikipedia/
jean-paul sartre)
"Os Dados Estão Lançados" giram á volta da história de Eva Charlier e de Pedro Dumaine.Eva Charlier,uma
mulher distinta e rica,casada com André Charlier,secretário da Milícia do regime.Pedro Dumaire era um operário e fundara
a Liga Para a Liberdade,uma organização revolucionária que combatia o regime que a milícia defendia.O livro começa com
a morte de ambos.Eva Charlier,quando estava doente,é envenenada pelo marido e Pedro Dumaine,quando seguia de
bicicleta é morto a tiro por um elemento da Milícia:Luciano Derjeu.
Depois,ambos se encontram na "vida dos mortos" ou "vida da alma" ("a alma é tudo o que nos resta"--diz Eva Charlier)
e criam amizade e amor entre si.Aí ficam a saber quem os matou e encontram uma série de pessoas,das mais variadas épocas.
Os mortos veem-se e ouvem-se uns aos outros,mas os vivos não os veem nem ouvem,nem dão por eles.Encontram uma
família inteira da alta nobreza,do séc.XiX á Idade Média,todos mortos,que acompanha o último descendente vivo e Eva
acaba por encontrar o próprio pai.Pedro encontra na casa do Regente,o rei do país de há 400 anos que se insurge contra
a falta de educação do regente("no meu tempo eram respeitados os meus móveis").Eva e Pedro passeiam e descansam na
esplanada de um Parque,onde um casal de jovens pede "dois cálices de porto" e acabam por ir dançar.
Como parecem feitos um para o outro,nos termos do artº 140 do Livro Grande dos Registos dos Mortos,é-lhes dada
uma outra oportunidade de voltarem ao reino dos vivos.Diz o artº 140º:"se,em consequência de um erro únicamente
imputável á Direção,um homem e uma mulher,destinados um ao outro,não se tenham encontrado em vida,poderão pedir e
obter autorização de voltar á Terra sob certas condições para aí poderem amar-se e viver a vida em comum de que
tinham sido injustamente privados".E assim acontece.Eva,afinal não morreu com o veneno que o marido lhe pôs no copo e
Pedro não morreu com a bala disparada pelo Luciano.De novo no reino dos vivos,Eva e Pedro estavam em êxame durante
as 1ªs 24 horas,para saber se teriam direito a uma nova vida humana.
Quando ainda estavam no reino dos mortos,um operário que sabia que eles iam voltar á Terra,pediu-lhes um favor.
Uma sua filha de 8 anos era maltratada pela mulher e pelo amante e ele pedia para a tirarem daquele ambiente familiar
degradado e levá-la para outro local mais adequado.Eva e Pedro prometeram que a iriam buscar à rua Stanislas,nº 13.
E cumpriram a promessa.Foram buscar a Maria Austruc,que vivia num ambiente de miséria.Eva deixa um maço de notas,
mas mesmo assim é á força e contra a vontade da mãe e do amante que levam a criança para uma casa dos arredores
onde é acolhida em condições dignas e saudáveis.--Diz Eva Charlier:"Pelo menos nisto fomos bem sucedidos".
Mas,em relação a eles,a solução foi diferente.Nem sempre o amor triunfa.A vida é feita de um conjunto de interesses
que podem competir entre si.Interesses profissionais,sociais,de empenhamento político,religioso ou desportivo.E também
há o carácter,os vícios e os erros dos próprios intervenientes.Eva e Pedro voltaram á terra,mas tinham 24 horas para
provar que o amor triunfava sobre tudo o resto.Estavam em êxame.Mas reprovaram no êxame.Não foram as diferenças
sociais que os levaram á derrota,pois Eva Charlier abandonou a vida de luxo e de riqueza que levava para seguir Pedro
Dumaine para uma nova vida ,mais modesta e pobre.Foi o envolvimento político de Pedro,durante o tempo do êxame,
que conduziu á derrota.E,quando Pedro Dumaine é novamente atingido a tiro por Luciano Derjeu,Eva Charlier também
morre por simpatia.E assim ,regressam ao reino dos mortos.
Aí,voltam a encontrar o velho do séc.XVIII,sempre bem disposto,que lhes pergunta :
-- E vocês os dois...não conseguiram?...
-- Não -- diz Eva Charlier -- não conseguimos.Os dados estavam lançados.