NOTA 61 - O PASSEIO DO BÊBADO - de Leonard Mlodinow

" A vida não é assim ",disse-me uma vez o meu pai."Por vezes,acontecem coisas que não podem ser previstas."
E contou-me que,numa ocasião,em Buchenwald,o campo de concentração nazi onde se encontrava preso e a
morrer de inanição,roubara um pão da padaria.O padeiro ordenou à Gestapo que reunisse todos os presos que
pudessem ter cometido o crime e os mandasse formar em linha,"Quem  roubou o pão?",perguntou ele. Como
ninguém respondeu,deu ordem aos guardas para que fuzilassem os suspeitos,um a um,até estarem todos mor-
tos ou alguém confessar.O meu pai deu um passo em frente para poupar os outros.Não pretendeu dar-se ares
de herói,mas contou-me que o fez porque,de qualquer modo,iria ser fuzilado.Contudo,em vez de o mandar matar,
o padeiro deu-lhe um trabalho invejável como seu ajudante."Foi um acontecimento furtuito",disse o meu pai. Não
teve nada a ver contigo,mas se as coisas se tivessem passado de maneira diferente,nunca terias nascido."
                                                                                 O Passeio do Bêbado,pág.15
.........................................................::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::....................................................
O título deste livro no Brasil é "O Andar do Bêbado",mas em Portugal é "O Passeio do Bêbado". Prefiro o
título brasileiro por me parecer mais ilucidativo e abrangente.A alegoria é com o andar do bêbado em geral,e
não com o passeio,em particular. A edição original inglesa,com o título "The Drunkard´s Walk",é de 2008,sendo
esta edição portuguesa,de 2009.
"O Passeio do Bêbado" versa sobre os princípios que regem o acaso,o desenvolvimento dessas ideias e a maneira
como actuam na política,nos negócios,na medicina,na economia,no desporto,no lazer e noutras áreas de actividade
humana.O objectivo do livro é ilustrar o papel do acaso no mundo que nos rodeia e mostrar como podemos reconhecê-
-lo a actuar nos assuntos humanos.O título "O Passeio do Bêbado" provém de um termo matemático que descreve o
movimento aleatório,tal como as trajectórias que as moléculas descrevem quando percorrem o espaço em colisões
constantes com as suas moléculas irmãs,e faz-nos recordar que muito do que acontece nas nossas vidas é tão pre-
visível quanto os passos de um homem cambaleante que sai do bar ao fim de uma noite de copos.
O autor do livro,Leonard Mlodinow,é doutorado em física na Universidade da Califórnia,em Berkeley,trabalhou no
Instituto Max Planck e ensina no Caltech.É autor dos guiões para as séries de televisão "MacGyver" e "Star Trek:
The New Generation" e de diversos livros de divulgação científica,alguns em co-autoria com Stephen Hawking,como
são os casos de "Brevíssima História do Tempo" e "O Grande Desígnio",e também co-autor com Deepak Chopra do
livro "Guerra Entre Dois Mundos". "O Passeio do Bêbado" é o nº 1 da lista de livros mais vendidos pelo New York Times.
Leonard Mlodinow refere com algum detalhe vários cientistas que escreveram e estudaram sobre o acaso,como,v.g.,
Gerolamo Cardano que escreveu "O Livro dos Jogos de Azar" e que foi o primeiro livro escrito sobre a teoria do acaso;
Galileu Galilei escreveu "Pensamentos sobre Jogos de Dados",uma pequena obra acerca do jogo;Blaise Pascal que
criou um método de contar sistemático,de aplicação geral que nos permite calcular a resposta a partir de uma fórmula
ou lê-la num gráfico;ou Jacob Bernoulli com o seu "teorema de ouro",com o qual mostrou que,pelo menos em princípio,
uma amostra suficientemente grande irá quase certamente reflectir a estrutura subjacente da população amostrada.
Ao mesmo tempo,vai contando umas histórias que mostram como o acaso faz parte das nossas vidas,como a de
francesa Jeanne Calment,em meados da década de 1960,quando tinha 90 anos e precisava de dinheiro,fez um negó-
cio com um advogado de 47 anos;ela vendeu-lhe o seu apartamento pelo preço de um pequeno pagamento mensal
de subsistência com o acordo de que os pagamentos cessariam com a sua morte e,nessa altura,ele poderia mudar-se
para lá.O advogado sabia certamente que a senhora Calment já tinha excedido a esperança de vida francesa em mais
de 10 anos.Contudo,podia não ter conhecimento da teoria de Baynes,nem saber que a questão relevante não era se
seria de esperar que ela morresse em menos de dez anos,mas que a sua esperança de vida,uma vez que já tinha
chegado aos 90 anos,era de cerca de mais 6 anos.Mesmo assim,ele devia sentir-se confortado com a ideia de que
uma mulher que,na sua adolescência,conhecera Vincent Van Gogh na loja do pai,se iria em breve juntar ao pintor
no além.(Para que conste,ela achou o artista "sujo,mal vestido e desagradável").
Dez anos mais tarde,o advogado terá presumivelmente encontrado uma habitação alternativa,pois Jeanne Calment
celebrou o centésimo aniversário de boa saúde.E,embora a sua esperança de vida fosse nessa altura de cerca de
dois anos,ela chegou aos 110 anos,sempre a viver a expensas do advogado,agora já com 67 anos.Mas ainda faltaria
uma década para que a longa espera deste último chegasse ao fim,e não foi o fim que esperava.Em 1995,o advogado
morreu e Jeanne Calment continuava viva.A sua hora chegou finalmente a 4 de agosto de 1997,com a idade de 122 anos.
A idade com que faleceu excedeu a do advogado em 45 anos. Conclui o autor:"A esperança de vida individual - e a vida -
são imprevisíveis..."
Refere que,nos últimos anos,os psicólogos descobriram que a capacidade de persistir perante os obstáculos é um
factor pelo menos tão importante no êxito como o talento. Sobre Wall Street,diz a dado passo que o economista e 
Prémio Nobel Merton Miller escreveu "se houver 10.000 pessoas a olhar para os valores bolsistas tentando escolher
os que irão subir,uma em 10.000 irá consegui-lo,por puro acaso,e isso é tudo o que acontece.É um jogo,é uma
operação aleatória,e as pessoas pensam que estão a fazer alguma coisa com sentido,mas na realidade não estão."
Fala do conflito que existe entre a necessidade que temos de controlar as situações e a eleatoriedade."Por que
motivo a necessidade humana de controlo é relevante para a discussão dos padrões de aleatoriedade? Porque,
se os acontecimentos forem aleatórios,nós não temos o controlo,e,se tivermos o controlo dos acontecimentos,eles
não são aleatórios.Por conseguinte,existe um conflito fundamental entre a nossa necessidade de sentir que temos
o controlo e a nossa capacidade de reconhecer a aleatoriedade.Esse conflito é uma das principais razões pelas
quais interpretamos erradamente os acontecimentos aleatórios.
E cita investigadores que concluiram que "as pessoas têm uma ideia muito vaga da aleatoriedade;não a reconhecem
quando a vêem e não conseguem produzi-la quando tentam fazê-lo,e,o que é pior,sistematicamente avaliamos mal o 
papel do acaso nas nossas vidas e tomamos decisões que estão comprovadamente desfazadas dos nossos melhores
interesses. Refere-se ao julgamento de O.J. Simpson ("um número estimado de cem milhões de pessoas viraram-se
para as suas televisões e rádios para ouvir o veredicto : inocente"); fala da dívida dos USA ("no momento em que estou
a escrever,o Governo dos USA tem uma dívida de 8.995.800.515.946,50 dólares,ou seja,29.679,02 dólares por pessoa"),
entre muitos outros assuntos.
.................::::::::................ 
"O Passeio do Bêbado" - também chamado "passeio aleatório" - não é um livro de leitura sempre fácil. A aleatoriedade
e o acaso não são temas de conversa do dia-a-dia das pessoas.Mas,por isso mesmo,é um livro que se deve ler com
atenção e,como diz o autor,talvez possamos reorganizar o nosso pensamento perante a incerteza. Podemos melhorar
a nossa aptidão para tomar decisões e atenuar alguns dos preconceitos que nos levam a fazer juízos incorrectos e
más escolhas.