NOTA 50 - 365 DIAS COM HISTÓRIAS DA HISTÓRIA DE PORTUGAL - de Luís Almeida Martins

" 365 Dias com histórias da História de Portugal " é um livro escrito por Luís Almeida Martins, jornalista,fundador da revista Visão,
licenciado pela Faculdade de Letras, e que tem trabalhado em diversos jornais e revistas,como,por exemplo,a Seara Nova,a Flama,
o jornal A Capital,o semanário O Jornal,e que fundou a revista História,que dirigiu durante 15 anos. Foi director-adjunto do
Jornal de letras,sendo também autor de diversas séries para televisão.
" 365 Dias com histórias da história de Portugal " foi publicado em setembro de 2011 e tem cerca de 700 págs.
O autor apresenta neste livro os factos e as personagens mais importantes da História de Portugal, contados através de pequenas
histórias, de pouco mais de uma página cada uma. Para quem tem mais dificuldade em ler um livro de fio a pavio,esta é,sem dúvida,
uma boa alternativa. A leitura de meia dúzia de histórias de cada vez,qualquer pessoa consegue ler sem dificuldade. E,dessa forma,
vai recordando,ou conhecendo pela primeira vez,alguns dos acontecimentos e das personagens que ajudaram a formar e a
desenvolver o país que Portugal é hoje.
" À segunda-feira conheça os grandes factos e pequenos episódios que marcaram a História de Portugal; á terça é a vez de ser
apresentado aos seus protagonistas; na quarta trave guerras sangrentas e batalhas vitoriosas; e na quinta veja-se envolvido em
revoluções e conspirações que abalaram o poder ; a sexta é dia de ficar a par das histórias de alcova,de traições e infidelidades de
reis,rainhas e não só; no sábado surpreenda-se com os mitos,lendas e curiosos mistérios dos nossos nove séculos de História;
para terminar a semana, ao domingo é tempo de descansar a ler episódios relacionados com grandes escritores,artistas e
monumentos de Portugal ".(contra-capa)
Como diz o autor do livro, "somos cidadãos do Mundo,dirá alguém com razão. Mas sempre o fomos. Só que,para o bem ou para o mal,
antes ainda de o sermos,somos portugueses,porque foi aqui que nos coube nascer e aprender a olhar para as coisas...
A ideia é que o leitor tome uma delas (uma história) por dia, como remédio para a alegria de viver. Mas, ao contrário do que se
passa com os medicamentos que se vendem na farmácia, estes permitem que se reforce a dose á vontade sem que daí advenha
qualquer dano físico ou moral. Pelo contrário... "
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Aqui fica uma referência a algumas das 365 histórias que o autor conta :
1 - D. AFONSO HENRIQUES - O Inventor de Portugal
Filho do conde Henrique de Borgonha e da infanta Teresa,bastarda de Afonso VI de Leão,nasceu provavelmente no verão
de 1109,mas ignora-se se em Guimarães,Viseu ou Coimbra. Único filho do casal que chegou á idade adulta,era herdeiro do governo
do Condado de Portugal,que o avô paterno confiara ao pai na qualidade de vassalo. Quando este morreu,tinha Afonso apenas 3 anos.
Por isso,D. Teresa assumiu interinamente a chefia do Condado. Mas,influenciada pelo galego Fernão Peres de Trava,seu amante,
passou a alinhar com os que defendiam a união de Portugal e da Galiza.
Outras seriam as influências do jovem Afonso,mais ligado desde criança,por via do aio Egas Moniz,aos partidários da independência
portuguesa,cujo chefe era o arcebispo de Braga,D. Paio Mendes. Forçado a exilar-se,D. Paio levou consigo o rapaz,que aos 16 anos
se armou cavaleiro na Catedral leonesa de Zamora.
Entretanto,falecia Afonso VI e subia ao trono de Leão Afonso VII,primo de Afonso Henriques,alterando-se a política leonesa em
relação ao condado vassalo. Menos tolerante do que o velho rei,em 1127 o novo soberano cercou Guimarães com o intuito de cortar
pela raiz as veleidades independentistas portuguesas. O cerco seria levantado quando Egas Moniz garantiu ao monarca leonês a
vassalagem do seu filho adoptivo,que entretanto regressara do exílio.
O combate seguinte do jovem Afonso foi contra as tropas da própria mãe e do galego Fernão Peres de Trava. O combate saldou-se
pela vitória do Infante,que passou a ser o chefe dos barões portugueses independentistas e governante "de facto" do Condado.
Perante a impossibilidade de forçar o primo a reconhecer logo a independência portuguesa,começou a desenvolver uma intensa
actividade diplomática junto da Santa Sé,esperançado em que o Papa ( que era uma espécie de ONU desse tempo - diz LAM )
admitisse como seu vassalo o novo país chamado Portugal.
Em 25 de julho de 1139, depois de ter derrotado um forte exército muçulmano em Ourique, Afonso proclamou-se Rei de Portugal.
Segundo a tradição,teria sido aclamado nas Cortes de Lamego,mas sabe-se agora que essas Cortes não passaram de uma
mistificação patriótica forjada no século XVII e desmascarada 200 anos depois pelo historiador Alexandre Herculano. O
reconhecimento de Portugal por parte de Afonso VII surgiria,no entanto,logo em 1143,através do Tratado de Zamora,assinado
em 5 de outubro desse ano,e que é a verdadeira certidão de nascimento do Estado Português. (...)
D. Afonso Henriques, que esteve casado com Mafalda de Sabóia entre 1146 e 1157 (data da morte dela) e da qual teve 7 filhos,
morreu por sua vez em Coimbra em 1186,com 76 anos,uma idade mais do que provecta para a época. Teve ainda a alegria de
ver,em 1179,a bula " Manifestis Probatum" do Papa Lúcio II reconhecer o Estado Português. Um Estado que ele fundou e governou
durante mais tempo do que ninguém : 57 anos consecutivos, 45 dos quais com o título de rei.
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2 - O ÚNICO PAPA PORTUGUÊS - Vida e Morte de João XXI
O único Papa português morreu na derrocada de uma parede do novo palácio pontifical. Nesse primaveril dia 20 de maio de 1277,
o Papa ia visitar as obras do novo palácio pontifício,que estava a ser construido em Viterbo. Subitamente começou a ouvir-se um
ronco sinistro e uma parede abateu-se sobre a comitiva,sepultando,aos 51 anos de idade,o 187º sucessor de São Pedro.
Chamava-se este Papa na vida secular, Pedro Julião,e escolhera ser conhecido por João XXI.
Tal como Santo António ( o outro religioso português que obteve grande prestígio internacional na Idade Média ), Pedro Julião
nascera em Lisboa e no seio de uma família desafogada. O pai,segundo se crê,era o médico Julião Rebelo,e o rapaz ter-lhe~-á
seguido as pisadas queimando as pestanas a olhar para os calhamaços manuscritos de medicina na Universidade de Paris,onde
foi aluno de São Alberto Magno e colega de São Tomás de Aquino. Passou depois a professor na Universidade italiana de Siena
e escreveu obras tanto de Filosofia como de Medicina.
Regressado a Portugal,foi sucessivamente prior da antiga igreja de Santo André de Mafra,decano da Sé de Lisboa,tesoureiro-mor
da Sé do Porto,prior da Colegiada de Guimarães e,por fim,Arcebispo de Braga.Até aqui,tudo normal. Mas foi ao ser elevado a
Cardeal de Frascati por Gregório X,que começou realmente a dar que falar entre os seus pares,destacando-se com facilidade em
virtude do seu prestígio cultural. Nomeado médico particular de Gregório X, seria ele próprio eleito Papa em 1276, sucedendo a 
Adriano V, que se sentara durante pouco mais de um mês na cadeira de São Pedro.
Ele próprio não ocuparia o posto durante muito mais tempo. A derrocada da parede do novo Palácio de Viterbo, tiraria a vida ao
intelectual que assinava os seus livros,escritos naturalmente em latim, com o nome de " Petrus Hispanus " (Pedro Hispano),numa
referência á sua origem ibérica.
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3 - O INFANTE D. HENRIQUE - O Homem do Chapéu
Todos julgamos conhecer o seu retrato. É o homem do grande chapéu escuro com uma tira de pano a descair do lado direito.
Nuno Gonçalves pintou assim nos seus famosos (e misteriosos) painéis uma figura que agora identificamos como sendo o
Infante D.Henrique,e que,aliás,se assemelha ao retrato do frontespício da Crónica da Guiné,de Zurara. Mas há quem diga que este 
 famoso filho de D. João I e da inglesa Filipa de Lencastre,tinha uma cara diferente. E é verdade que a sua estátua jacente,no
túmulo do Mosteiro da Batalha,o apresenta mais semelhante a outra figura dos paíneis,que não a do chapéu.(...)
O Infante D. Henrique é um dos portugueses mais famosos de todas as épocas,e um dos vultos grandes da História Universal. É
considerado o grande impulsionador dos Descobrimentos geográficos do séc.XV e,como tal,uma espécie de responsável pelo
encurtamento das distãncias e pelo fim do mundo dividido e espartilhado que era aquele em que viviam as pessoas na Idade Média.
Os anglo-saxónicos chamam-lhe " Henry, The Navigator " , os franceses " Henry, Le Navigateur ", e os espanhois " Enrique, el Navegante ".
Nós,que nisto somos mais rigorosos,nunca caímos na tentação de o apelidar de " Henrique, o Navegador ", talvez porque saibamos
bem que ele,pessoalmente,nunca na vida velejou para além de Ceuta,aqui quase a dois passos. Sim,é certo que,se não nevegou,
mandou outros navegarem por ele.(...)
Foi exactamente o Infante D. Henrique que chamou a si a terefa de promover a exploração do Mundo. Tal como para chegar a Paris
é preciso dar o primeiro passo,para desvendar o resto do Globo havia que começar pelas zonas desconhecidas mais próximas - e foi
assim que tudo principiou pela exploração sistemática da costa ocidental da África. Rico,poderoso,senhor de grandes monopólios
( os sabões,o Algarve quase todo ), governador da Ordem de Cristo ( sucessora da Ordem dos Templários ), o "Infante" não era
apenas curioso; era também ambicioso. Interessavam-lhe por isso o ouro,os escravos e o marfim da Guiné. Mas,religioso como toda
a gente do seu tempo,não era alheio ao sentido do dever da evangelização das populações não-cristãs,que como se compreende
eram então quase todas. Queria também entrar em contacto e estabelecer aliança com o mítico Preste João,que se julgava ser senhor
de um poderoso Império cristão algures " nas Índias".
Quando morreu,em 1460, (nascera em 1394) os seus navegadores tinham chegado apenas á zona da Guiné,mas isso representava
já um grande avanço geográfico e cultural.
A Ordem de Cristo, que D. Henrique dirigia,patrocinou as viagens de exploração geográfica,e daí que a bem conhecida "cruz de Cristo"
figurasse nas velas dos navios.
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4 - LUÍS DE CAMÕES e " OS Lusíadas " 
É a grande glória das letras portugueses. Imaginamo-lo,de pala negra no olho direito,a nadar com um só braço nas ondas revoltas
de um mar distante,erguendo na outra mão acima da cabeça o rolo do manuscrito d´Os Lusíadas desta forma salvo do naufrágio
da nau em que seguia. Mas o quadro é uma fantasia romântica como muitas outras que dão forma ao nosso mundo. Pouco - muito
pouco - se sabe de concreto acerca da vida do "príncipe das letras portuguesas", Luís Vaz de Camões.
Onde nasceu ?  Em Lisboa,presume-se,embora outras terras reivindiquem a honra de lhe terem servido de berço. Em que ano
veio ao mundo ?  Por volta de 1525,não havendo certezas. Era nobre ou plebeu ? Provavelmente da pequena nobreza,porque
teve condições para aprender latim e humanidades de uma forma geral. Estudou em Coimbra ? Assim o diz a tradição e os livros
e filmes "biográficos" nela baseados,sendo no entanto um facto que a Universidade não regista a sua passagem por lá. Amou
muitas mulheres e teve uma vida boémia turbulenta ? Assim parece,a avaliar pelas multiplas destinatárias dos seus poemas de
amor e pelas suas frequentes passagens pelas prisões do Império em resultado de duelos á espada e outras brigas menos cénicas.
Auto-exilou-se no Norte de África para esquecer um amor frustrado ? Conta-se que sim,e é verdade que esteve em Ceuta e perdeu
o olho direito em combate no estreito de Gibraltar. Partiu depois para o Oriente ? Sim,é certo,e lá passou vários anos,entre a Ìndia,
a Arábia,a costa oriental da África e a China,enfrentando adversidades e compondo aos poucos a sua obra imortal,"Os Lusíadas".
Escreveu grande parte do poema épico numa gruta de Macau ? Claro que não,e basta conhecer o belo Jardim de Camões na
fascinante cidade para se nos tornar óbvio que a dita "gruta" não passa de uma construção artificial romântica. Salvou o manuscrito
do poema a nado ? Não da forma que imaginamos,mas o naufrágio terá efectivamente ocorrido,junto á foz do rio Mekong,no actual
Vietname. Como e de que vivia no Oriente ? Desconhece-se mas conjetura-se que,naquelas espécies de "repúblicas" que agrupavam
militares e letrados. Desempenhou cargos oficiais ? Sim,e um deles parece ter sido o de provedor-mor dos Defundos e Ausentes
em Macau,uma espécie de encarregado do registo de desaparecimentos e óbitos de portugueses naquelas paragens. De regresso
a Portugal,morreu na miséria ?  Não propriamente,sendo essa versão corrente uma exagerada visão romanesca do seu fim.
Concluido este longo rol de dúvidas,temos porém algumas certezas. Primeiro,a da sua aparência física,já que possuimos um
retrato contemporâneo que no-lo mostra preso em Goa. Era de tez clara e tinha barba,bigode e cabelos ruivos. Depois, a de ser
um símbolo nacional,paradoxalmente criado pelo próprio Filipe II de Espanha ao patrocinar a impressão de Os Lusíadas logo que
assentou na cabeça a coroa portuguesa. A de que foi ele o criador ou o difusor de alguns dos mitos fundadores da nossa identidade,
como os de Pedro e Inês,dos Doze de Inglaterra,ou do Velho do Restelo. Uma última certeza : LUÍS DE CAMÕES foi um dos
maiores poetas universais,habitado pelo génio e possuidor de uma cultura humanista e esotérica que o coloca na galeria das
figuras condenadas á imortalidade.
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5 - O VIETNAME PORTUGUÊS
Durante mais de 13 anos,quase metade do orçamento do Estado foi desviado para a "Defesa". Com o seu rasto e misérias,
A GUERRA COLONIAL  foi o acontecimento mais traumatizante da segunda metade do nosso século XX.
Oitocentos mil jovens portugueses - quase um milhão ! - foram mobilizados entre 1961 e 1974 para a Guerra Colonial que se
travou em África contra os movimentos de libertação de Angola,Moçambique e Guiné. Desses,quase 9 mil morreram e perto de
trinta mil ficaram feridos ou estropiados. Um número não quantificado de ex-combatentes acusaria para sempre os efeitos psíquicos
da guerra. Não houve família que não tivesse pelo menos um combatente em África. Muitas ficaram enlutadas,muitíssimas viram-se
desde então a braços com problemas irresolúveis. Tudo poderia ter sido evitado se Salazar tivesse sabido descolonizar a tempo.
A Guerra Colonial determinou também a queda do Estado Novo e o regresso da Democracia a um país que chegara a parecer
esquecido dela. Não sabemos quanto tempo mais teria durado a ditadura se não tivesse havido esta guerra,mas não há dúvida de
que,ao gerar o descontentamento dos oficiais mais politizados e forçar a mobilização de estudantes contestatários do regime,
ela foi o factor mais decisivo para a eclosão do 25 de Abril de 1974.
A guerra começou em 1961. No dia 4 de fevereiro,as prisões e esquadras de Luanda eram atacadas por nacionalistas angolanos.
Seguiu-se uma chacina praticada por brancos nos musseques ( o equivalente a bairros de lata ) da cidade. A 15 de março, a 
pró-americana UPA (União dos Povos de Angola) espalhou o terror e a morte nas fazendas dos Dembos. Salazar enviou
tropas para a colónia,mas após vitórias relativamente fáceis obtidas entre maio e setembro contra inimigos armados de forma
artesanal,o pró-soviético MPLA ( Movimento Popular de Libertação de Angola ) abria novas frentes em Cabinda e no Leste.
Em 1966 pegou em armas a UNITA ( União Nacional para a Independência Total de Angola ), que mais tarde enveredaria pelo
colaboracionismo com o regime português .Em meados da década,o MPLA era já considerado pela Organização da Unidade
Africana o legítimo representante do povo angolano.
Do outro lado do continente, a FRELIMO ( Frente de Libertação de Moçambique ) iniciou a luta armada em 1964,em Niassa e
Cabo Delgado,abrindo depois nova frente em Tete. Comandadas entre 1969 e 1972 pelo general ultra-direitista Kaúlza de
Arriaga,as tropas portuguesas envolveram-se durante meses na " Operação Nó-Górdio ", a de maior envergadura de toda a
guerra, que não teve o êxito pretendido. A denúncia do massacre de Wiriyamu feita pelo sacerdote anglicano Adrian Hastings
no "Times" londrino teve larga repercussão internacional.
Na Guiné ,a guerrilha do PAIGC ( Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde ), dotado a partir de 1970
de mísseis terra-ar "Strella", de fabrico soviético, foi a mais difícil de combater pelos portugueses,que viram alguns jactos " Fiat"
serem abatidos. A acção psicológica desenvolvida pelo carismático general António de Spínola, governador e comandante militar
durante cinco anos, não impediu a proclamação unilateral da independência em setembro de 1973. Antes tinha sido lançada a
polémica "Operação Mar Verde", um ataque á vizinha Guiné-Conakri, "santuário" do PAIGC.
........ Um tempo para esquecer ?  Não. Para recordar sempre. 
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6 - FERNÃO , MENTES ?  -  NÃO MINTO , PINTO
Assim poderia o autor da " Peregrinação " responder aos detratores que o acusam de faltar á verdade nas páginas de uma
obra em que as lacunas de memória são preenchidas pela riqueza da inventiva.
Fernão,mentes ? Minto !   Não há,entre o Minho e o Guadiana,quem não conheça esta graçola,e se calhar em partes do Brasil,
porções de África e pontinhos do Oriente. Pobre Fernão Mendes Pinto,que com tal fama de mentiroso ficaste e que tão
persistentemente manténs mais de quatrocentos anos depois da tua morte !
Sabemos que é uma fama injusta. Mas,afinal,compreensível. De todos os (muitos) viajantes portugueses do Oriente naquele
prodigioso século XVI, Fernão Mendes Pinto foi o único que nos ceixou um relato completo das suas andanças,escrito na
primeira pessoa e com uma minúcia de arrepiar. Na sua extensa obra,a que deu o título de PEREGRINAÇÃO,conta tintim por
tintim tudo aquilo por que passou ao longo de 21 atribulados anos. Nesse período foi " treze vezes cativo e dezassete vendido "
nas remotas paragens da Arábia,Índia,África Oriental,Birmânia,Malásia,Sião,Indonésia,Vietname,Molucas,China e japão - esse
"império sombra" ou "império fantasma" que ficava para lá de Goa e onde muitos aventureiros portugueses,normalmente
estabelecidos em Malaca,tentavam fazer fortuna. Como ?  Armando por sua conta e risco pequenos navios de cabotagem a
bordo dos quais transacionavam mercadorias entre povos muitas vezes desavindos,como era o caso da China dos mandarins
e do Japão dos daimios.
Mas voltemos á questão da veracidade ou da mentira do relato de Pinto. Nascido em Montemor-O-Velho entre 1510 e 1514
(não sabemos ao certo),partiu de Lisboa para o Oriente em 1537 e por lá se manteve até 1558,vivendo aventuras que superam
em prodígio a imaginação de Emílio Salgari. " A Peregrinação " foi escrita após o regresso,entre 1570 e 1578, numa qunita que
o reformado aventureiro adquiriu em Almada. Ou seja, Pinto pôs o ponto final no manuscrito duas décadas depois de ter voltado.
Ora,como poderia o homem,tanto tempo depois de ter vivido o que narra,lembrar-se de tantos pormenores ?  É que ele transcreve-nos
diálogos,indica-nos números exactos de dias ou de horas passadas nesta ou naquela situação,reproduz-nos o som de palavras
estranhas,etc.,etc. Tudo isto,note-se,sem ter podido tomar notas em circunstância alguma,até porque algumas vezes este filho
da desgraça quase só tinha por roupa a falta dela com que viera ao mundo ... O raciocínio que somos levados a fazer é lógico :
em linhas gerais, Pinto viveu o que conta, mas romanceou os pormenores,ao gosto de uma época em que a narrativa de ficção
dava os primeiros passos ( lembremo-nos do "D.Quixote" de Cervantes ). Isto tira valor á sua obra ?  Não : acrescenta-lho.
"A Peregrinação", publicada logo em 1614 na sua versão original e sem tardar traduzida para as principais línguas estrangeiras,
foi muito lida por essa Europa fora no século XVII. Serviu mesmo,e sem que isso alguma vez tenha passado pela cabeça de Pinto,
para acender a luzinha da cobiça nos espíritos dos leitores ingleses,holandeses e franceses. Se era tão fácil fazer fortuna naquelas
paragens,porque não tentar ali também a sorte ?  A fabulosa obra de Pinto - que continua a merecer ainda hoje ser lida,relida e
treslida por nós,Portugueses ( que do seu pioneirismo nos devemos orgulhar ) - serviu assim de "rough guide" a turistas e comerciantes
de além-Pirinéus em era pré-Baedecker e pré-National Geographic Magazine.

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7 - A  LENDA  DE  SALGUEIRO  MAIA

Se alguém "fez" o 25 de Abril foi ele.Com muitos outros,claro.Entendamo-nos:do mesmo modo que Machado Santos tinha "feito" 64 anos antes o 5 de Outubro.

"Meus senhores,como todos sabem,há diversas modalidades de Estado.Os Estados sociais,os corporativos e o estado a que chegámos.Ora,nesta noite solene,vamos acabar com o estado a que chegámos! De maneira que,quem quiser vir comigo,vamos para Lisboa e acabamos com isto.Quem for voluntário,sai e forma.Quem não quiser sair,fica aqui!"

Este pequeno discurso,proferido ás primeiras horas da madrugada de 25 de abril de 1974 na parada de Escola Prática de Cavalaria(EPC),em Santerém,ficou na História de Portugal.Quem o proferiu foi um capitão do Exército de 29 anos de idade chamado Fernando José Salgueiro Maia. Ditas estas palavras,e sem que nenhum dos 240 soldados presentes tivesse decidido ficar,a coluna de blindados saiu do quartel e tomou a estrada de Lisboa.Com Salgueiro Maia no comando,claro.

Menos de 24 horas depois,a ditadura que governava Portugal há 48 anos deixara de existir. A coluna comandada por Maia,posicionando-se diante do quartel da GNR do Carmo,forçara a rendição de Marcelo Caetano,o sucessor de Salazar,que ali se refugiara ao ter conhecimento das movimentações militares.

Claro que Salgueiro Maia não actuou sozinho - longe disso. Peça importante importante  do Movimento dos Capitães(depois Movimento das Forças Armadas),coube-lhe no entanto a glória de ter dado um rosto - o seu - à revolução. Modesto como os heróis das velhas histórias,recusaria todos os cargos que lhe foram oferecidos,desde Conselheiro da Revolução a diplomata,passando por Governador.civil de Santarém e membro da Casa Militar da Presidência da República.

A morte precoce,aos 48 anos,ajudou a construir a lenda. Dizem que os deuses amam os que morrem jovens. E que dizer então dos heróis que a morte leva cedo? Se é que há heróis. Mas se calhar há. Nós é que não reparamos quando olhamos à volta.

............. Salgueiro Maia,nasce em Castelo de Vide em 1944. Em 1964 ingressa na Academia Militar. Em 1968 combate em Moçambique,na Guerra Colonial. Em 1970 é promovido a Capitão. Em 1971 embarca para a Guiné,na segunda comissão de guerra. Em 1973 é colocado na Escola Prática de Cavalaria,em Santarém. Em 1974 comanda a coluna que força a rendição do Governo de Marcelo Caetano e rejeita cargos de poder. Em 1989 é-lhe diagnosticado um cancro. Morre em Santarém,em 1992.

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8 - A  BATALHA  DO  CABO  ESPICHEL

Para terminar,uma referência a um facto passado aqui na região de Sesimbra,e ao qual o autor chama "Batalha do Cabo Espichel".

D.Fuas Roupinho,senhor de Porto de Mós no séc. XII,ficou sobretudo na memória colectiva por o seu nome estar associado ao "milagre da Nazaré":quando caçava a cavalo,perseguindo um veado,invocou a Virgem e viu-se salvo no último instante de tombar pela falésia.Mas a personagem não pertence apenas aos domínios da lenda.Longe disso.Este D.Fuas,provavelmente um cavaleiro templário,distinguiu-se sobretudo por ter sido o primeiro comandante de uma esquadra de guerra portuguesa.

Reinava ainda D.Afonso Henriques,e estava-se em 1179,quando os piratas muçulmanos do Norte de África desataram a fustigar a costa portuguesa e a atacar os navios mercantes cristãos provenientes do Norte da Europa e do Mediterrâneo que,após a conquista de Lisboa,rumavam em número cada vez maior à barra do Tejo.Uma vez a piratagem chegou mesmo a entrar no estuário,a desembarcar e a fazer estragos nos arredores da cidade.O rei,que morava em Coimbra,resolveu então encarregar D.Fuas Roupinho de organizar uma esquadra e dar combate aos piratas sarracenos. Assim,comandando algumas galés,o templário fez-se ao mar no verão de 1180,não tardando a avistar uma grande esquadra moura junto ao Cabo Espichel. Talvez surpreendentemente,os Portugueses venceram,matando muitos inimigos(incluindo o almirante) e capturando diversas galés,que trouxeram em triunfo para o Tejo. O golpe sofrido pelos sarracenos teve repercussões psicológicas e,durante muito tempo,os corsários magrebinos não voltaram a atuar em águas lusas(...).

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......................................................................................................... E pronto ! aqui ficam meia dúzia das histórias que o autor conta.
Ainda sobre "A Peregrinação" de Fernão Mendes Pinto, referir que Luís Almeida Martins considera  A Peregrinação  " o melhor
livro português de sempre ".  (pág.681)
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