NOTA 48 - NO PLANALTO DOS MACONDES - de Joaquim Manuel Penim

" Eu era o homem de minas e armadilhas que estava mais perto,pelo que me coube tomar conta da ocorrência.
O capitão apenas me disse:-cuidado!...Podíamos estar a ser observados e era importante não fazer muito barulho,
até porque entardecia já e não sabíamos se teríamos que pernoitar por ali. Eu sentia o coração bater aceleradamente,
quando comecei a afastar a terra solta que cobria algo que eu não divisara de imediato.Lentamente,sem pressionar,
fui afastando a terra,deixando a descoberto um enorme pedaço do bojo de uma bilha de barro,ou coisa muito parecida.
O caco tinha-se partido pela pressão da pata do cão quando por ali passou e tudo indiciava que estávamos na presença
de um fornilho.Estava muito tenso,mas não tremia.Deitado no chão,estiquei o braço direito e introduzi a mão no buraco,
tentando adivinhar pelo tacto o que estaria por baixo do caco.Era um buraco com cerca de trinta centímetros de diâmetro
e pouco fundo,do qual,numa primeira prospecção,retirei o pedaço de barro que tinha caído lá para dentro.Cuidadosamente,
voltei a introduzir a mão e,tacteando,encontrei duas granadas,com as alavancas pressionadas de encontro ao caco.Uma
delas ainda tinha a cavilha de segurança colocada,a outra não.Tinha de ter a certeza absoluta disto para depois tentar
agarrar a granada que estava descavilhada.Não sei quantas vezes introduzi e tirei a mão daquele buraco,até que,pensando
conhecê-lo como se a minha vista enxargasse para lá do caco,envolvi com a mão a alavanca e,num movimento rápido,
segurei a granada e a alavanca ao mesmo tempo,enquanto rebolava no capim,afastando-me daquele local o mais possível.
Passaram-se segundos,minutos,para mim,talvez,e mais nenhum som se ouviu,além do restolhar que eu provocara.
Levantei-me...o buraco facara a descoberto deixando visível a outra granada,que apenas estava ali para rebentar por
simpatia.Agarrei-a com a mão esquerda e esperei que o Capitão colocasse uma cavilha de segurança naquela que
 eu segurava na mão direita.
O Capitão pediu-me as granadas,mas eu continuava ali de braços esticados para ele,como que alucinado,não conse-
guindo abrir as mãos.Todo eu tremia quando,ao fim de algum tempo,abri as mãos e ouvi o Capitão dizer :
-  Penim,vai lá para trás !
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" No Planalto dos Macondes " é um livro sobre a Guerra Colonial,publicado em Maio/2004,pelo Furriel Miliciano
Joaquim Manuel Penim,especialista em minas e armadilhas e que pertenceu à Companhia de Caçadores 2448,que
 cumpriu uma comissão de serviço em Moçambique,província de Cabo Delgado,no planalto dos Macondes,em 1968/70.
O Joaquim Manuel Penim é aqui de Sesimbra. É uma pessoa que eu conheço e que estimo e que encontro de vez
em quando,como aconteceu há poucos dias na Venda Nova,onde eu estava a comprar lenha,para aquecer estes dias
frios,e ele apareceu também interessado em saber o preço da lenha.E também conheço o irmão,o Amadeu Penim,
que foi Presidente da Câmara Municipal de Sesimbra,há alguns anos.
O Joaquim Penim escreveu este livro - que dedica a todos os seus camaradas - a contar a sua experiência na Guerra
Colonial,com o objectivo de dar a conhecer aos seus filhos,como viu e como viveu aquela guerra. E fez bem em o
escrever. Pela guerra colonial passaram muitos milhares de portugueses e as experiências vividas nessa guerra,
difíceis e traumatizantes,são factos que convem não esquecer. O futuro constroi-se melhor conhecendo o passado
e a geração da guerra colonial tem muito a transmitir,com o objectivo de ilucidar as novas gerações sobre o flagelo e
as consequências nefastas que uma guerra sempre encerra.
O Penim esteve colocado,primeiro,no aquartelamento de Nangololo e,depois,no de Antadora,que foi "inaugurado"
pela sua Companhia,isto em Cabo Delgado,no planalto dos macondes.
Os Macondes são um grupo étnico bantu que vive no sudeste da Tanzânia e no nordeste de Moçambique,princi-
palmente no planalto de Mueda,tendo uma pequena presença no Quénia. A população maconde na Tanzânia foi
estimada em 2001 em cerca de 1.140.000 habitantes e no censo de 1997 em Moçambique,em 233.258,dando um
total de 1.3373.358 macondes. Os macondes resistiram sempre a serem conquistados por outros povos africanos,
por árabes e por traficantes de escravos.Não foram subjugados pelo poder colonial até aos anos 20 do séc.XX.
São  exímios escultores em pau-preto,sendo a sua arte conhecida mundialmente.(cfr.wikipedia.org)
E do que é que fala o Joaquim Penim no seu livro ?
Fala dos " aquartelamentos " onde esteve colocado : 1 - Nangololo - "área delimitada por duas fiadas de arame 
farpado,zona se segurança convenientemente armadilhada,por forma a dificultar qualquer acção de assalto ao
aquartelamento(...) Os Furriéis (eu e todos os outros) ficaram num pavilhão de telhado de zinco,durante o dia,
com centenas e osgas (...); um pequeno campo de futebol,para sete contra sete,no máximo,fazia a delícia de
uns quantos desajeitados. Os soldados ficaram instalados na igreja,cujo altar era encimado por um grande e bem
esculpido Cristo,em pau-rosa. Existiam algumas árvores (cajueiros,mangueiras,e torangeiras) e,disseminados
estratégicamente,contavam-se alguns abrigos subterrâneos,componente fundamental de defesa,em caso de ataque
ao aquartelamento,que,estava bem situado,acessível ao assalto apenas numa das quatro frentes,e onde coexistiam
sempre e em alternãncia uma Companhia de Páraquedistas e outra de Fuzileiros,para além da sua Companhia,
da CCS(Companhia de Comandos e Serviços) e com o pelotão de  Artilharia Pesada,o que dava no total cerca de
700 homens. " Lá dentro,sentiamo-nos seguros" - diz o Penim.
2 - Antadora - " Aquilo que me contaram sobre as condições de vida e segurança naquele estacionamento,que eu
identificava agora ali de cima,enquanto o taxi aéreo dava duas,três voltas,eu o imaginava,como se já o tivesse vivido,
e interiorizava o medo dos ataques diários e a vida permanente nas valas. Ali "nem dentro do estacionamento se
sentia segurança" ,e onde apenas estava a sua Companhia,com cerca de 200 homens. Quando chegou a Antadora,
o aquartelamento estava "em construção". Não havia luz eléctrica,foram construidos dezenas de abrigos e,a pouco
e pouco,foi-se transformando um estacionamento num verdadeiro aquartelamento,com "uma casa para o Capitão,
uma secretaria,um refeitório para os furriéis e,ainda,uma capela. A montagem de obuses,morteiros e peças de 
artilharia,transformaram Antadora num aquartelemento mais seguro."
3 - Bolama - " era uma terra do interior,mas ainda distante das preocupações de guerra que haviamos 
experimentado nos sítios anteriores. Aí, "os soldados demonstravam um contentamento tal que mais parecia terem
acabado a comissão" . Em Bolama "tinhamos instalações razoáveis,comíamos bem,dispunhamos de meios de
entretenimento nas instalações do Clube local,a nível de leitura e jogos,andávamos livremente pela rua,mantinhamos
relações cordiais com a comunidade cívil...vivendo neste contexto,todos tirámos partido,para o bem e para o mal".
Fala das "emboscadas" : "tinhamos dois feridos - o Damas e o "mini-saia".Estilhaços de granadas haviam atingido o 
Damas no pescoço (soubemos depois que um dos estilhaços tinha ficado alojado a milímetros da carótida),enquanto
o "mini-saia" tinha apanhado com vários ao longo das costas e no rabo,e o sangue borbulhava através do camuflado.
Desagradável situação...o enfermeiro pouco ou nada podia fazer,impondo-se,sim,a evacuação dos feridos."
E,numa outra emboscada,diz:" De repente,um enorme trovão.A coluna pára e,ao mesmo tempo que saltamos das
viaturas,desencadeia-se um feroz tiroteio.Tento proteger-me a coberto da roda trazeira do unimog,ao mesmo tempo
que procuro perceber de que lado veem os tiros.A reacção é instantânea.Óptimo! vêm do lado de lá,pelo que estou bem
 protegido.Agora há que pensar nos outros.O "reguila",o homem do morteiro,arrasta-se até mim e protege-se como eu.
- Furriel,para onde atiro as granadas ? - pergunta-me ele.
- Atira para aquele lado.Não inclines tanto o tubo porque a granada tem que cair onde começa o mato. Vá atira essa porra!
Fala do "correio" : " Ao longo deste meu desfilar de recordações tem ficado explícito quão importante era receber
correio na perspectiva de quem estava na guerra,na minha,que personifica talvez a da generalidade" e "aquele baú,agora
pintado de verde e guardado na arrecadação,que conteve já enxovais,fatos de noiva,fraldas e cueiros de várias gerações,
é hoje o repositório de centenas de cartas e aerogramas,constituindo a memória factual de um período que marcou e
ainda marca a vida de quem o viveu ".
Descreve diversas operações em que esteve envolvido,fala dos cães de guerra ( o Raio e o Panzer eram dois pastores
alemães,cães de ataque;o outro um Doberman,tinha a função de pisteiro),e do ataque a Nangololo,nas colunas a
Mueda,nas relações nem sempre fáceis com o comando do batalhão,fala nas férias que,por duas vezes,veio passar
a Sesimbra, e fala na visita do General Kaúlza de Arriaga a Antadora ( "Então,meu rapaz,diz-me lá o que pensas disto?...")
e no grande triunfo que era toda a Companhia estar viva,apesar dos custos de pertencer a uma Companhia independente,
sem pertencerem,de formação,a um qualquer Batalhão. Refere-se ao desenvolvimento das "Operações Nó Górdio",onde
já tinham sido contabilizados até então 66 mortos entre os nossos militares,e chama a Mocímboa da Praia "a porta do
inferno,o lugar onde há vinte e cinco meses me senti despejado" e,depois de descrever a viagem de regresso e a des-
mobilização no quartel de Chaves,pergunta,a finalizar :
" O que ficou ? " - e responde : - " Ficaram coisas boas e más e ficou-me sobretudo,uma visão dantesca do mundo
em que vivemos (...)  Ficaram estas grandes amizades ... e as sequelas de tantos anos de guerra,as visíveis e as que
o não são. Ficaram os pais que perderam os filhos,os filhos que não conheceram os pais,as mulheres desamparadas
e os amigos saudosos. Ficaram os mutilados e os cegos,os para sempre dependentes. E ficaram ainda os escorreitos,
aqueles em que fisicamente nada trespassa,mas em cujo comportamento denotam recalcamentos e alterações de
humor,inexplicáveis para terceiros. Ficou o meu Diário "sem o qual não teria sido possível fazer esta narrativa". E
" fica também este livro,despretencioso em termos literários,que eu dedico a todos os meus camaradas e com o qual
pretendo dar a conhecer aos meus filhos como vi e vivi aquela guerra."
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............................................................   " No Planalto dos Macondes ",livro escrito pelo Joaquim Manuel Penim,é um
excelente livro sobre a Guerra Colonial. Quem por lá passou,revê-se em muitas das situações aqui descritas. Está
de parabéns o Penim,por ter sabido exprimir,com clareza e realismo,o dia a dia de uma guerra que marcou toda uma
geração.