NOTA 41 - THOMAS MORE - de Peter Ackroyd
Parece que estou a ver o filme. Sentado numa das cadeiras do Cine-Teatro João Mota,em Sesimbra,
tinha eu os meus 17/18 anos,foi para mim um grande momento de cinema. Devo mesmo dizer que,até áquela
altura,foi um dos filmes que mais me impressionou,pela qualidade da realização,pelas interpretações dos actores,
pelos cenários,mas,principalmente,pelo enredo e pelos diálogos. Fiquei verdadeiramente surpreendido e admirado
com os discursos e as alegações ali proferidas. Tanto assim foi que,quando mais tarde,aquando da escolha do curso
superior a frequentar,o Direito ganhou vantagem face á História e à Filosofia.
Refiro-me a " A Man For All Seasons " ( Um Homem Para a Eternidade ),realizado em 1966 por Fred Zinnemann,e
que ganhou seis óscares em 1967,incluindo os de Melhor Filme e Melhor Realizador e que foi interpretado por :
Paul Scofield (Sir Thomas More ) que ganhou o óscar de melhor actor principal; Robert Shaw ( Rei Henrique VIII );
Orson Welles ( Cardeal Wolsey ); Susannah York ( Margaret More ); Vanessa Redgrave ( Ana Bolena ),entre outros,
e que é um dos bons filmes da História do Cinema.
" A Man For All Seasons" relata parte da vida desse grande estadista que foi Thomas More.
Thomas More (07/02/1478-06/07/1535) foi homem de estado,diplomata,escritor,advogado e homem de leis,ocupou
vários cargos públicos e,em especial,de 1529 a 1532,o cargo de Lord Chanceller do Rei Henrique VIII de Inglaterra.
É geralmente considerado como um dos grandes humanistas do Renascimento. Foi canonizado como santo da
Igreja Católica em 09/05/1935. A sua obra mais famosa é " Utopia ",de 1516,,na qual criou uma ilha-reino imaginária
que alguns autores modernos viram como uma proposta idealizada de Estado e outros como sátira da Europa do
séc.XVI. Foi um grande amigo de Erasmo de Roterdão. Opôs-se ao divórcio do rei Henrique VIII com Catarina de
Aragão. Via na anulação do casamento uma matéria da jurisdição do papado e a posição do Papa Clemente VII
era claramente contra o divórcio em razão da doutrina sobre a indissolubilidade do matrimónio. Por isso,deixou o
cargo de Lorg Chanceller do rei Henrique VIII,provocando a desconfiança na Corte e no Rei. Mais tarde,em 17/04/
1534,foi convocado para fazer o juramento que consagrava o Rei como chefe supremo da Igreja. Thomas More
recusou-se a aceitar essa supremacia do Rei em relação às questões religiosas. Foi preso na Torre de Londres,e
julgado,sendo condenado á morte,e posteriormente executado em Tower Hill,a 06/07/1534. A sua recusa em reco-
nhecer o rei Henrique VIII como cabeça da Igreja em Inglaterra - o que lhe valeu a morte - é considerada pela Igreja
Católica como modelo de fidelidade á igreja e á própria consciência,e representa a luta da liberdade individual contra
o poder arbitrário. Foi canonizado em 09/05/1935 pelo Papa Pio XI. No ano 2000,Thomas More foi declarado
" Patrono dos Estadistas e Políticos " pelo Papa Joâo Paulo II.(cfr.wikipedia.org)
O livro " Thomas More " - biografia,de Peter Ackroyd,foi editado em Portugal em 2003,com base na edição inglesa
"The Life of Thomas More",de 1998. O autor do livro - Peter Ackroyd - é "um notável escritor de romances e biogra-
fias históricas,tendo sido várias vezes galardoado com os mais conceituados prémios literários.É membro do Royal
Society of Literature e Director da Book Reviewer,no The Times - diz-se na contra-capa.
O livro é extraordinário.Com uma bibliografia vastíssima,P. Ackroyd descreve a vida de Thomas More de uma forma
muito minuciosa e pormenorizada,utilizando uma linguagem simples e clara que dá gosto ler.
Thomas More pertencia a uma família rica e influente. Contudo,o avô paterno era padeiro "em grande escala",
genro de um cervejeiro de Londres,e o avô materno era fabricante de velas de cebo. O pai - John More - passou
facilmente do comércio para a lei,onde se tornou um advogado com ligações e influencias que lhe permitiram
resolver de forma expedita os problemas dos mercadores londrinos. Anos mais tarde,John More seria elevado
à condição de "serjeant",antes de ser nomeado,como juiz,para o Court of Common Pleas e,finalmente,para o
King,s Bench. Thomas More foi pois criado numa casa próspera e confortàvel e teve uma boa infância. Com
doze anos,tornou-se pajem em casa de John Morton,arcebispo de Cantuária e Lorde Chanceler de Inglaterra.
Mais tarde,aprendeu com o pai a ter um enorme respeito pela prática e uma profunda admiração pelos princí-
pios da lei. Foi admitido numa New Inn e começou a conviver com aqueles que iriam,a seu tempo,administrar
os negócios do rei e da nação. O papel de advogado adequava-se-lhe ao temperamento. Era um actor talen-
toso e tornou-se um retórico igualmente hábil. Numa fase posterior da vida,era procurado tanto pela Corte como
pela City,devido aos seus dotes de orador. Tornou-se também num perfeito diplomata. Mas não era viadoso.
Dava pouca atenção á vestimenta e aos modos.
Erasmo - o humanista holandês - tornou-se o grande companheiro de Thomas More. O título que Erasmo deu
à sua célebre obra - O Elogio da Loucura - tinha também a intenção de ilogiar More,em casa de quem o livro foi
escrito. Tal como o pai antes dele,More,foi feito "homem-livre" dos Mercadores,a mais rica e poderosa companhia
da City. Foi escolhido para o Parlamento,para a Casa dos Comuns,talvez devido ás suas relações de amizade com
o Rei e o Conselho. Era um dos cerca de 300 membros dos Comuns. A sua primeira mulher - Jane - morreu aos
22 anos. Thomas More,que era um homem prático e decidido e tinha uma família jovem para cuidar e uma casa
para manter,voltou a casar,desta vez com Alice Midleton,que já conhecia há bastante tempo. Com trinta e poucos
anos estava sempre ocupado e a "amassar riqueza e autoridade".
Thomas More começou a escrever " A Utopia " em Bruges,em Setembro de 1515. " A história começa em
Antuérpia,no exterior da catedral de Notre Dame,onde More acaba de ouvir missa. Na praça fronteira ao templo,
vê Peter Gillis a conversar com um desconhecido de longas barbas e rosto tisnado pelo sol,envolto numa capa
que lhe cai descuidadamente dos ombros. Gillis apresenta-o como Rafael Hythlodaeus,um viajante português
que navegou com Américo Vespúcio e visitou as mais diversas regiões da Terra. More convida-o imediatamente
para sua casa,onde,estando os dois sentados num banco de jardim,Hythlodaeus lhe conta dos muitos países
desconhecidos que existem "sub aequatoris linea". E então nessa manhã de fim de verão ou início de outono,
fala a More dos Utopianos. Viveu entre eles durante mais de cinco anos e louva entusiasticamente as suas ins-
tituições,baseadas na posse comum de todas as propriedades e bens. Invoca a comunidade imaginária de Platão
como uma adequada analogia,e More pede-lhe um relato completo das leis e costumes utopianos.
Depois do jantar,Rafael Hythlodaeus começa a descrever Utopia propriamente dita. E aqui surge a primeira
maravilha : a ilha Utopia (...) é Londres redesenhada por uma imaginação visionária,uma cidade perfeita onde,
segundo Hythlodaeus,não existem a ganância,o orgulho ou a desordem - estes vícios foram definitivamente
erradicados da comunidade da Utopia. As ruas e edificios destribuem-se de acordo com um padrão geométrico
uniforme,com agradáveis casas e jardins que os cidadãos trocam entre si de dez em dez anos; os membros
da comunidade aprendem o ofício para que têm mais aptidão e todos usam as mesmas roupas de lã não tingida,
com distinções apenas para o sexo e o estado civil. Seis horas do dia são dedicadas ao trabalho,enquanto o
tempo restante é passado a estudar ou em saudáveis recreações. As refeições são tomadas em salões comunais
e o supervisor de cada salão vai abastecer-se de alimentos gratuitos ao fundo comum de um mercado central.
Os utopianos não dão qualquer valor ao ouro nem à prata,mas usam-nos para fazer grilhões e bacios de quarto.
Têm uma população de escravos,de um modo geral composta por criminosos e prisioneiros de guerra,que é
tratada com uma severidade bem mais paternal do que tirânica."
Diz o autor do livro,Peter Ackroyd,que no final do nono livro de "A República",de Platão, " Sócrates descreve a
sua sociedade ideal como talvez apenas um "paradigma" situado nos céus. "Utopia" de Thomas More,é uma
tentativa para fazê-lo descer á Terra",embora existam muitas dissimilaridades entre os dois livros e os Estados
neles descritos. "A obra de More é menos profunda,mais apressadamente escrita e muito menos satisfatória
do que o magnífico discurso de Platão."
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O Julgamento de Thomas More
" Sir Thomas More,sois acusado de tentar privar o rei do seu legítimo título de supremo líder da Igreja de
Inglaterra,o que constitui traição. Recusaste aceitar a supremacia real perante os comissários de sua
magestade,a 7 de Maio. Estáveis em colusão com o traidor condenado ,John Fisher,e é sabido que foram
trocadas cartas entre vós. Voltaste a manter o vosso silêncio na questão da supremacia quando formalmente
interrogado na Torre de Londres,a 3 de Junho. Numa conversa com o solicitador-geral,Sir Richard Rich,
negaste que o parlamento tivesse autoridade para declarar Sua Magestade chefe da Igreja em Inglaterra.
Duque de Norfolk: - Sir Thomas More,bem vedes que ofendeste odiosamente a majestade do rei;não obstante
tendes ainda boa esperança (tão grande é a sua bondade,benignidade e clemência) de que,se pensardes
bem e vos arrependerdes,se revogardes e reformardes a vossa maldosa e obstinada opinião que tão longa
e erradamente mantivestes,podereis saborear o seu generoso perdão.
Thomas More - Meus Lordes,mui humildemente agradeço a vossas senhorias a grande boa vontade que
tendes para comigo. No entanto,peço e suplico a Deus do mais fundo do coração que me conceda um
espírito bom,honesto e recto que me sustente,mantenha e apoie até à última hora e ao extremo momento
da minha vida. Agora,no respeitante ás coisas de que me acusais,os artigos são tão prolixos e longos que
receio,em razão do meu demorado encarceramento e da doença que há muito me aflige,da minha presente
fraqueza e debilidade,que nem a minha inteligência nem a minha memória e nem sequer a minha voz me
sirvam para dar uma resposta tão plena,eficaz e suficiente como a gravidade e a importância destas questões
exigem.
Thomas More - Não me declaro culpado,e espero obter para mim proveito do corpo da questão,após veredicto,
para evitar esta acusação. Além disso,se essas únicas odiosas palavras "maliciosamente,traiçoeiramente e
diabolicamente" forem retiradas da acusação,nada nela vejo de que possa justamente acusar-me.
No concernente ao primeiro artigo,no qual se afirma que eu,para expressar e mostrar a minha malícia contra
o Rei e o seu recente casamento,sempre sensurei e resisti ao mesmo,só posso dizer o seguinte: que nunca
por malícia disse uma palavra contra ele,e que aquilo que disse sobre o assunto,disse-o exclusivamente
segundo o meu pensar,opinião e consciência. E por este meu erro (se lhe posso chamar erro,ou se a este
respeito estou enganado),não escaparei sem castigo,tendo os meus bens e gados sido confiscados,e eu
próprio lançado para a prisão,onde ainda me encontro faz já quinze meses. Respeitando,pois,a esta acusação,
respondo que,por esta minha taciturnidade e silêncio não pode a vossa lei,nem nenhuma lei do mundo,
justamente castigar-me,a menos que possais além disso acusar-me de qualquer palavra ou acção de facto.
O Advogado da Coroa : - Esse mesmo silêncio é sinal e demonstração de uma natureza corrupta e perversa,
que conspira e murmura contra o Estatuto;sim,não houve súbdito real e fiel que,tendo-lhe sido perguntado
o que pensava e opinava sobre o dito Estatuto,não se tenha disposto a afirmar,sem qualquer dissulação,
que o considerava bom,justo e legítimo. (...)
Thomas More : - Vendo,como vejo,que estais determinados a condenar-me,saberá Deus porquê,irei agora,
em descargo da minha consciência,dizer livre e abertamente o que penso da acusação e do vosso Estatuto.
Uma vez que,meu Lorde,esta acusação se baseia numa lei do Parlamento directamente repugnante ás leis
de Deus e da Santa Igreja,cujo governo,ou mesmo de uma parte,não pode nenhum príncipe temporal presumir
por qualquer lei chamar a si,por pretencer por direito à Sé de Roma,uma preeminência espiritual conferida
por especial prerrogativa pelo próprio Salvador,pessoalmente presente na Terra,apenas a São Pedro e aos
seus sucessores,bispos da mesma Sé,é consequentemente,pela lei dos cristãos,insuficiente para inculpar
qualquer cristão. Não pode este reino,sendo apenas um membro e pequena parte da Igreja,fazer qualquer
lei particular desconforme com a lei geral da Igreja Católica universal de Cristo,como não pode a cidade
de Londres,sendo apenas um pobre membro do conjunto do reino,fazer,contra um acto do Parlamento,uma
lei que obrigue o reino inteiro. Pode tanto este reino de Inglaterra recusar obidiência á Sé de Roma como
pode um filho recusar obidiência ao seu pai natural. (...) No entanto,não é tanto por esta questão da supremacia
que desejais o meu sangue,mas por não condescender com o casamento.
(...)
Sir Thomas Audley : - Escutai senhores,escutai,acabais de ouvir o que disse o meu senhor Lorde Juiz Supremo.
Sois declarado culpado,Sir Thomas More. Tendes alguma coisa a alegar em vossa defesa ? Estamos prontos
a escutar-vos favoravelmente.
Sir Thomas More : - Nada mais tenho a dizer,meus lordes ...
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E pronto ! Este livro sobre a vida de Sir Thomas More,escrito por Peter Ackroyd,é um excelente manual para
quem quiser saber mais,ou recordar,quem foi esse ilustre inglês.