NOTA 40 - A REPÚBLICA - de Platão
Diz Sócrates para Céfalo : - é para mim um prazer conversar com pessoas de idade bastante avançada.Efectivamente,
parece-me que devemos informarmo-nos junto deles,como de pessoas que foram à nossa frente num caminho que talvez tenhamos
que percorrer,sobre as suas características,se é áspero e difícil,ou fácil e transitável.Teria até gosto em te perguntar qual o teu parecer
sobre este assunto--uma vez que chegaste já a esse período da vida a que os poetas chamam estar "no limiar da velhice"--se é uma parte
custosa da existência,ou que declarações tens a fazer.
-- Por Zeus que te direi ,ó Sócrates,qual é o meu ponto de vista.Na verdade,muitas vezes nos juntamos num grupo de pessoas de idades
aproximadas respeitando o velho ditado.Ora,nessas reuniões a maior parte de nós lamenta-se com saudade do prazer da juventude,ou
recordando os gozos do amor,da bebida,da comida e de outros da mesma espécie,e agastam-se como quem ficou privado de grandes bens,
e vivesse bem então ao passo que agora não é viver.Alguns lamentam-se ainda pelos insultos que um ancião sofre dos seus parentes,e em cima
disto entoavam uma litania de quantos males A VELHICE lhes é causa.A mim afigura-se-me,ó Sócrates,que eles não acusam a verdadeira culpada.
Porque,se fosse ela a culpada,também eu havia de experimentar os mesmos sofrimentos devido á velhice,bem todos quantos chegaram a esta fase
da existência.Ora eu já encontrei outros ansiãos que não sentem dessa maneira,(...) Não a velhice,ó Sócrates,mas o carácter das pessoas.Se elas forem sensatas e bem
dispostas,também a velhice é moderadamente penosa;caso contrário,ó Sócrates,quer a velhice,quer a juventude,serão pesadas a quem assim não fôr.
( República,329 a)
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O livro A REPÚBLICA,escrito pelo filósofo grego Platão (427 a.C.-347 a.C.)é um dos mais importantes livros da história da humanidade.Pela primeira vez surgiu a concepção de uma sociedade justa e tendencialmente perfeita.Platão,discípulo de Sócrates,procurou expôr os
princípios e os valores que deviam existir numa organização social pautada por valores humanistas e conduzida pelos cidadãos
mais preparados e cultos.As ideias que expôs n´A República--o sonho de uma vida harmónica ,fraterna,que dominasse o caos da realidade
--irão servir,ao longo dos tempos,como matriz inspiradora de todas as utopias aparecidas e da maioria dos movimentos de reforma
social que desde então a humanidade conheceu.
PLATÃO,filósofo do período clássico da Grécia Antiga,nasceu em Atenas e foi o fundador da Academia de Atenas,a primeira instituição de
educação superior do mundo ocidental.Juntamente com o seu mentor,Sócrates e o seu pupilo,Aristóteles,Platão ajudou a construir os
alicerces da filosofia natural,da ciência e da filosofia ocidental.(cfr.wikipedia)
A cidade idealizada no livro A República é "utópica",visto que é uma cidade fundada só em palavras,pois não existia e nunca existiu,na
realidade.Mas,as coisas têm de ser mesmo assim.Primeiro é preciso idealizar.É necessário estudar e propôr quais os princípios e valores
que devem nortear a organização da vida social.Depois,a construção dessa sociedade,na realidade terrena,vai sendo feita a pouco e
pouco.Como se vê,pelo estado em que o mundo se encontra hoje,cerca de 2.500 anos depois de escrita A República,ainda há um longo
caminho a percorrer até atingirmos uma civilização pautada pelos princípios e valores nascidos com Platão.Talvez que a CIVILIZAÇÃO
PLANETÁRIA de que fala Michio Kaku em " A Física do Futuro" possa estar mais próximo desse objectivo. No livro "A Cidade de Deus",
de Santo Agostinho,Platão é exaltado como o maior filósofo pagão,que pode ser visto como um precursor do cristianismo.Mas,Platão,
nunca aceitou a revelação cristã,e chegou ás suas conclusões através da " razão natural "(cfr.Peter Ackroyd-"Thomas More,biografia,
pág.129).Contudo,em "A República" são já visíveis ideias que o cristianismo vai desenvolver: a ideia da imortalidade da alma(República,
611a,621c); a ideia da ressurreição(República,614,b). Assim,embora Platão se guiasse pela razão natural,acreditava que " houve
certamente "alguma coisa" no começo para instalar isto tudo"--como diz hoje Robert Wilson,Prémio Nobel da Física,em 1978.Mas,Platão
viveu há cerca de 2.500 anos.É natural que as ideias que expôs sofram os efeitos do tempo em que foram proferidas.
Platão expôs n´A República as formas de governo que existem e,depois de definir cada uma delas(timocracia,oligarquia,democracia e
tirania),opta por escolher o modelo intermédio,evitando os excessos de ambos os lados,pois é assim que o homem alcança a maior
felicidade.Diz que " a liberdade em excesso,não conduz a mais nada que não seja á escravatura em excesso,quer para o indivíduo,
quer para o Estado. Defende que "quem tiver sido sempre posto á prova,na infância,na juventude, e na idade viril,e sair dela inalterável,
deve ser posto no lugar de chefe e guardião da cidade. E que é importante conservar a calma o mais possível nas desgraças e não se
indignar,pois não se adiante nada em os suportar com dificuldade.
Platão realça o papel igualitário das mulheres na organização social "excepto que utilizaremos os seus serviços tendo presente que elas
são mais débeis e eles mais fortes.Mas,"tem de se lhes dar a mesma instrução".Diz que não há nada mais agradável do que ter saúde,
mas que,as pessoas antes de adoecerem,lhes tinha passado despercebido esse gosto.Por isso,é importante "estar em forma" e para isso,
abster-se de comportamentos prejudiciais,como a embriaguês.Porém,é necessário evitar o "excessivo cuidado com o corpo,que ultrapasse
o regime físico saudável".Afirma que o bom juiz não deve ser novo,mas idoso,"tendo aprendido tarde o que é a injustiça,tendo-se apercebido
dela sem a ter alojado na sua própria alma,mas tendo-a observado como coisa alheia nos outros,durante muito tempo ,para que,servindo-se
do saber,e não da experiência própria,compreenda o mal que ela é." É bom juiz quem tiver uma alma boa.Mas aquele habilidoso e descon-fiado,que cometeu muitas injustiças e se tem na conta de pessoa cheia de aptidões e sábia,quando convive com os seus pares,revela a sua
extrema astúcia,examinando á distância os modelos que existem nele mesmo.Porém,quando se aproxima de homens bons e já mais velhos,
parece tolo,desconfiado,fora de propósito e desconhecedor do que seja um carácter são,por não ter em si o modelo respectivo.Mas,como
se encontra mais vezes com os maus do que com os bons,parece mais sábio do que ignorante,aos seus olhos e aos dos outros.
CARL SAGAN faz uma crítica contundente a Platão e ao platonismo (Cosmos,251/3),mas concorda que " ao reconhecerem que o
Cosmos pode ser conhecido,que a natureza tem alicerces matemáticos,Pitágoras e Platão deram um forte impulso á causa da ciência."
E,no fundo,isto é que é importante.Platão acreditava e aceitava os resultados do conhecimento científico.Mas vivia numa sociedade
esclavagista e obscurantista onde não era possível descortinar todos os aspectos negativos da mesma.No seu tempo,os conhecimentos
científicos estavam a dar os primeiros passos,num mundo infestado de ignorância,de misticismo e estupidez.O seu contributo foi o de
ajudar a abrir as portas para a entrada do ar fresco do conhecimento.
SÓCRATES dizia que : " ...por onde a razão,como uma brisa,nos levar,é por aí que devemos ir " (República,394d)