NOTA 109 - GALILEU NA PRISÃO - de Ronald Numbers
1 - MITOS sobre a ciência e a religião.Mitos são afirmações falsas.O maior mito da história da ciência e da religião é a alegação de que as duas mantiveram um estado de conflito permanente.
2 - GALILEU,ao contrário do que diz o mito,não foi preso,nem torturado.Com a possível excepção de 3 dias(21 a 24 junho de 1633) Galileu nunca esteve preso.E mesmo nesses 3 dias,é provável que se tenha alojado no apartamento do Procurador,e não numa cela.
3 - A IGREJA CATÓLICA,também ao contrário do que diz o mito,foi provavelmente o maior mecenas individual,e o mais duradouro,da ciência,em toda a história.
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"Galileu na Prisão - e outros Mitos sobre Ciência e Religião" ,de Ronald L. Numbers,que organiza o livro e assina um dos textos,foi publicado em 2009,e tem esta edição portuguesa de maio de 2012.É formado por 25 textos,com cerca de 10 páginas cada um,que procuram pôr em causa algumas ideias correntes,que são consideradas certas,mas que os autores destes textos consideram "mitos".Consideram que são ideias incorrectas e falsas sobre a ciência e a religião.
Vejamos alguns dos mitos referidos no livro :
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a) - Galileu foi preso e torturado por advogar a teoria de Copérnico
Isto é o que diz o mito.Mas a realidade é outra.Galileu foi,de facto,julgado pela Inquisição,mas teve um tratamento benigno devido ao seu estatuto de celebridade,à protecção dos Medici e á atitude de amor-ódio do Papa Urbano,seu antigo admirador.Esteve sim em prisão domiciliária e,durante o julgamento,terá ficado alojado no apartamento do Procurador e não numa cela.Assim,embora tenha permanecido em detenção domiciliária no decurso do julgamento de 1633 e nos nove anos subsequentes da sua vida,nunca foi encarcerado.
b) - A Igreja medieval impediu o desenvolvimento da ciência
Outro mito ! Pois,também aqui,a realidade é outra. Diz-se neste livro que "o conceito grosseiro da Idade Média como um período de estagnação induzido pelo cristianismo desapareceu,no essencial,dos textos dos académicos familiares com esse período,mas permanece pujante junto dos divulgadores de história da ciência". Porém,o período medieval gerou as Universidades,que se desenvolveram com o apoio activo do papado,e por volta de 1500 encontravam-se disseminadas por toda a Europa cerca de 60 Universidades. Entre 1150 e 1500,tinham obtido acesso a materiais científicos muito mais europeus letrados do que quaisquer dos seus prodecessores de culturas anteriores,em grande medida devido ao surgimento,rápido crescimento e currículos de Artes Naturais das universidades medievais. E os jesuítas(oficialmente designados como Companhia de Jesus,fundada em 1540) colocaram tal ênfase na educação que em 1625 existiam cerca de 450 colégios na Europa e outras paragens,tendo dado importantes contributos para a investigação cientìfica,nomeadamente no campo da óptica e da astronomia.
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c) - René Descartes criou a distinção mente-corpo
É um mito ! Para o autor deste texto - Peter Harrison - não há o "erro de Descartes". Aliás,Peter Harrison faz uma crítica contundente ao cientista português António Damásio e ao seu livro "O Erro de Descartes",de 1994.Diz P.H.:"o mais recente numa longa linhagem de detractores de Descartes é o neurologista António Damásio,cuja conhecida obra "o Erro de Descartes" poucas dúvidas deixa ao leitor relativamente à sua atitude para com o filósofo do século XVIII". O "erro" mencionado no título é identificado como "a separação abismal entre corpo e mente". Mas - diz Peter Harrison - a integração de corpo e mente,e não a sua separação,mereceram cada vez mais a preocupação deste filósofo,e a melhor forma de estudar esta unidade de corpo e mente que é o ser humano era concentrar a atenção sobre as emoções,ou,para usar um termo do início da modernidade as "paixões". A interacção do corpo com a mente constitui uma preocupação crucial para Descartes e as correlações entre eventos mentais e movimentos corporais constituem propriedades naturais da amálgama corpo-mente,explicáveis em termos de leis psicofísicas que constituem a nossa natureza essencial enquanto seres incarnados. A doutrina de uma separação abismal entre corpo e alma não foi avançada por Descartes e - conclui este autor - "não admira que uma figura celebrada como é a de Descartes seja tão frequentemente alvo das atenções dos que procuram afirmar-se a si próprios como visionários iconoclastas no campo da filosofia da mente."
d) - A revolução científica libertou a ciência da religião
É o que diz o mito ! Após a revolução científica,tornou-se inevitàvel Deus ser totalmente empurrado para fora da natureza e a ciência negar a existência de Deus. Mas,não é bem assim. Embora o séc.XVII tenha assistdo a uma mudança marcada da relação entre ciência e religião - particularmente depois da teoria da gravitação universal de Newton ter parecido reduzir o Cosmos a uma equação matemática. Contudo,ciência e religião não tinham à época o mesmo significado que hoje. A própria palavra "cientista" só passou a existir no séc. XIX. A busca do conhecimento do mundo era designada "filosofia natural" e não existia o termo geral "ciência" para designar toda uma categoria de conhecimento. O desenvolvimento de um novo conceito das leis da natureza,e a discussão do âmbito e limites do conhecimento humano,tudo isso estava impregnado de compromissos religiosos e pressupostos teológicos e os filósofos mecânicos - tais como Pierre Gassendi(1592-1655),René Descartes(1596-1650) e Robert Boyle(1627-1691),todos cristãos devotos - insistiam na existência de Deus. Assim,para muitos dos filósofos naturais do séc.XVII,ciência e religião - ou melhor,filosofia natural e teologia - eram inseparáveis;dois lados da mesma moeda desse grande empreendimento que foi tentar entender o nosso mundo.
e) - Einstein acreditava num Deus pessoal
Um Deus pessoal é um Deus com características reconhecidamente humanas,que responde a orações e vela pela criação. É um mito dizer que Einstein acreditava num Deus pessoal. As leis físicas parecem não deixar margem à acção divina. Qualquer acontecimento do mundo físico é causado por outro acontecimento físico,e esta causa é descrita adequadamente por leis científicas. A noção de religião de Einstein,fundava-se não na revelação ou acção divinas,mas no seu deslumbramento por o mundo ser compreensível. Possuido de um sentimento religioso cósmico,acreditava no Deus de Espinosa,um Deus panteísta manifestado unicamente na natureza bem ordenada do cosmos. As fundações da religião eram a racionalidade,ordem e compreensibilidade do mundo. Não existia conflito entre ciência e religião.A ciência dependia da religião para obter a fé num universo compreensível e a religião dependia da ciência para a descoberta da ordem admirável do universo. Dizia Einstein:"a ciência sem a religião é coxa,a religião sem a ciência é cega". Não lhe interessava o ateísmo,e franzia o sobrolho perante a sugestão de que os cientistas se integram naturalmente nesse campo. Para Einstein,Deus "é" a natureza e as suas leis,e não o seu criador,e o sentimento religioso cósmico manifesta-se,na sua forma mais poderosa,não através da religião tradicional,mas na prática científica. Por isso - dizia Einstein - os trabalhadores científicos sérios são as únicas pessoas profundamente religiosas do séc.XX.
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